food, art & spirits

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quinta-feira, 17 de abril de 2014

soul kitchen

Sexta feira à noite, para variar - som alto, bons drinks e uma montanha de coisas acontecendo na minha cozinha. Cheguei à conclusão que a noite de sexta-feira em São Paulo é, em geral, uma cilada. Salvo a casa dos amigos ou festas cada vez mais esporádicas, é um dia fadado a dar problemas (acho que estou ficando velhinho...). Trânsito, manobristas invocados, e o serviço das casas abaixo da média pelo excesso de clientes.
Na última sexta, a trilha sonora em casa estava absolutamente bipolar - as usual. Do pop gostoso de Lulu Santos à Elvis Costello, passando por Elis Regina (sempre passa por ela...) e Rihanna. E eu verificava a geladeira, buscando inspiração. Eis que toca uma música que adoro, numa versão impecável - a portuguesa Suzana Félix com Jorge Drexler, num vídeo delicioso.
A esta altura, o vinho rosé gelado consumido em largos goles iniciais mais a música inspirou o primeiro prato - uns bolinhos de bacalhau, que fritei no dia seguinte e que tinham aquele "wow-factor" - crocantes por fora, macios por dentro, no tamanho certo (podia ter feito um pouquinho maior, mas foi um bom treino para a fritura controlada), bem temperados. E eu só não dancei o vira pois não cai bem na minha idade.
Como toda play-list randômica, logo mais estava ouvindo John Newman.

Animadíssimo, mais de meia garrafa havia sido consumida, eu começo a pular na cozinha sob o olhar recriminador de meus companheiros nesta empreitada, Josefina e Leopoldo. Se pudessem falar, diriam "se enxerga..."E eu animado, picando uma montanha de repolho roxo, maçã, cebolas, que adicionadas ao peito de frango recém cozido, e desfiado ainda quente, virou uma salada promissora. Creio que dois dias depois minha assistente Rosilda deve ter descoberto restos de repolho pelas persianas, bules e livros deste ambiente, visto eu estar possuído pelo som, usando a faca como um Wolverine fora de forma
Eu ainda estava agitado, quando a voz suave de Patrick Watson tomou conta do ambiente.
Eu já tinha feito a salada, um caldo de frango forte, os bolinhos de bacalhau, e a cozinha parecia uma cidade arrasada por um tornado - coisas por todos os lados, facas, legumes, três taças (como consegui, se eu estava sozinho? mistério...), e eu vi que precisava de uma parada, para baixar a adrenalina. Figos grelhados e um pedaço de roquefort fizeram a companhia da segunda garrafa de vinho, e repeti a música mais duas vezes, pois tudo combinava de forma perfeita, exceto Leopoldo e Josefina esperando avidamente que algum pedaço de algo caísse no chão - o que não aconteceu, para desapontamento canino geral.
Foi uma voz feminina que me tirou do torpor. 


Nina Simone e sua voz encorpada me forçaram a fazer um pouco de café, apesar do adiantado da hora, e olhar para a cozinha de forma definitiva. Os versos iniciais : "Baby, do you understand me now, Sometimes I feel a little mad" eram a deixa: ou eu fazia alguma coisa, ou corria o risco de perder minha fiel assistente no dia seguinte, tamanho caos instaurado nestes parcos metros quadrados. 
Café feito, Nina ao fundo, arrumei tudo, embalei o que havia sido feito, guardei o que era para ser guardado, enquanto os cachorros me olhavam com cara de aprovação. 
Resultado da façanha - bolinho de bacalhau, arroz de bacalhau, uma espécie de "cole-slaw" mais intensa e com frango, uma sopa de legumes e um recheio de torta de frango com alho poró e amêndoas. E olheiras, claro.


quinta-feira, 10 de abril de 2014

sundays of wine and roses

Os dias passam, o trabalho nos impossibilita de ter os momentos prazerosos que desejamos, a intensidade dos problemas diários nos fazem esquecer da possibilidade de pequenos prazeres.
Domingo, a vontade de comer uma comida caseira normal, do dia a dia. Arroz integral, feijão com caldo espesso sem nenhum tipo de carne ou gordura animal, beterrabas assadas servidas mornas com azeite sal e pimenta do reino e mais nada, frango assado com farofa de milho verde e uma garrafa e meia de vinho rosé consumida num domingo quente e ensolarado. Antes, enquanto preparava a comida, um restinho de couscous marroquino que foi temperado com limão e azeite, misturado a endívias picadas, pimenta dedo de moça e bastante endro virou uma entradinha muito da gostosa. Palitos de pepino sem casca nem sementes espetados em um vasinho cheio de gelo picado, e ao lado uma rápida mistura de coalhada fresca com raiz forte. Pão fresco em fatias e uma mousse de queijo com pesto, e as crianças chegaram, os cachorros latiram, a música rolava, o papo tomou seu ritmo e o domingo aconteceu como deveriam acontecer todos os domingos - claros, solares, com o barulho de cães e música e crianças e taças brindando.
Aos que ainda não sabem, tenho buracos imensos em minha memória, o passado me parece uma sucessão de pequenos momentos e grandes nadas. Mas hoje à noite, enquanto bebia um café quente e forte acompanhando os muffins de maçã recém-assados,  pensando no prazer que tive no domingo cheio de preciosos momentos (como meu afilhado agarrando Leopoldo e dizendo que ele era "tão fofinho"), lembrei de alguns almoços na casa de minha avó materna, com todos seus filhos (três mulheres e dois homens) e seus netos e genros e noras, com aquele quase palpável sentido de pertencimento do qual eu talvez sinta falta, e apenas recentemente fui alertado a admitir. E, entre goles largos de café , concluí que sim, de segunda a sexta, e as vezes aos sábados, tenho dias intensos, e provavelmente os terei num período ainda significativo. Mas os domingos serão de vinho, rosas e família. 

Muffins de maçã e azeite
1 xícara de farinha de trigo
1/2 xícara de farinha de trigo integral
1/2 xícara de açúcar
1 colher de café de canela
1 colher de café de fermento em pó
1 pote de iogurte natural
1 ovo
1/3 de xícara de azeite de oliva virgem
1 maçã pequena sem casca cortada em cubos pequenos.

Misture os ingredientes secos, acrescente a maçã, reserve.
Bata as claras até dobrarem de volume, junte a gema, o iogurte e o azeite. Despeje sobre a mistura seca, incorpore sem mexer em excesso, e coloque em forminhas untadas com azeite e farinha de trigo. Assar no forno pré-aquecido a 180 graus por 30 minutos.


quinta-feira, 3 de abril de 2014

the bagel, the man

Admiro quem faz bagels. Pensar num pão que primeiro é cozido, depois assado, e que pode receber adendos como cebola ou passas e canela ou sementes de papoula (que ainda não encontro por aqui, o que me deixa maluco!), me deixa com imediatas saudades de New York, onde melhor se come este pão típico da cultura judaica. Em São Paulo gosto de compra-los no Santa Luzia, onde a atendente Divina (lindo nome, atenciosíssima pessoa) já sabe meu gosto, e sempre que me vê oferece os bagels integrais que fazem a festa de minhas manhãs de final de semana. Tostados com cream cheese, geleia ou em fartos sanduíches de salmão e creme azedo, qualquer pessoa que faça bagel tem minha imediata admiração.
Em São Paulo o melhor sanduíche de bagel e salmão está no Z-Deli Sanduiches. Antigamente, Rosa e Zenaide Raw, as matriarcas, ofereciam esta iguaria em seu minúsculo espaço na Haddock Lobo - e antigamente quero dizer 25 anos atrás. Depois de algum tempo, especializaram-se nas comidinhas fantásticas do almoço, e deixaram de oferecer isto, mas generosas que são  "legaram" à cidade o neto de Rosa, que abriu no antigo espaço da avó o espaço para sanduíches mais disputado de São Paulo.
Hoje encontra-se uma versão de bagel industrializada nos mercados, de uma marca famosa, porém é apenas um pão com o formato típico deste produto, sem a textura sólida e macia da receita tradicional.
Aí está o problema - pode-se ser ousado o quanto queira, transgredir o quão necessário for, mas algumas coisas são tão tradicionais e tão perfeitas, que mexer nestas é apenas bobagem. O melhor que se faz é executa-las à perfeição, para que mantenham sua qualidade e integridade.
Estes dois termos são fundamentais - qualidade e integridade. Se tiver beleza, ajuda, claro. Mas hoje vê-se uma inversão destes valores, o belo é preponderante. Só que a beleza é frágil, e a integridade é sólida, perene. E, segundo meu olhar completamente neutro e isento de interesses (só que não!rs), quem faz - ou me oferece - bagels seguramente é possuidor destas características. 
(não vou passar receita de sanduíche de salmão, não vou pagar este mico - cada um que escolha sua receita. O meu vai quantidades absurdas de raiz forte, mostarda, pepino, alface e salmão - that´s all, folks!)